
O Chorinho no Feirão do Vinil
O chorinho merece o título de primeiro gênero popular genuinamente brasileiro e está no DNA de quase tudo o que se convencionou chamar MPB. A origem do termo “choro” é desconhecida. Muitos dos especialistas que se debruçaram sobre o tema fornecem teorias convincentes a respeito. O folclorista, Luís da Câmara Cascudo, por exemplo, acredita que a designação deriva da palavra xolo, nome dado pelos escravos às festas que faziam nas fazendas, quando autorizados por seus patrões. Para Baptista Siqueira, o termo teria surgido da mistura do verbo chorar com o latim chorus (pequeno grupo). Já José Ramos Tinhorão acredita que o nome está relacionado com a maneira de tocar violão, com frases de contraponto nas cordas graves, dando certo tom de lamento ou choro. Como surge em um período em que a musica praticada pelo povo não era considerada digna de ser registrada, nunca saberemos a mais próxima da verdade.
Denominações a parte, certo é que o chorinho é reflexo do contexto histórico em que surge e do povo que o concebeu.
O lançamento da Editora DBA adota como fio condutor narrativo justamente a perspectiva dos acontecimentos históricos em que se deu tal processo, num diálogo entre texto e imagem. Assim como outros ritmos do jovem continente Americano, suas células embrionárias remetem ao século dezenove, período em que a maioria dos territórios do novo mundo começava a dar passos em direção à tomada das rédeas de seus próprios destinos, política e culturalmente. Em comum, todas as nações das Américas em processo de formação de suas identidades nacionais encontraram na musica a melhor forma de expressá-las.

Não existe uma fórmula ou um ponto de partida exato. Mas sabe-se que os ingredientes da sopa primordial rítmica das Américas estão na diversidade cultural – europeus, africanos, índios nativos e etc. Sendo assim, como o ragtime norte-americano, o tango argentino e uruguaio e o danzóm cubano, o choro vem da capacidade do povo local de absorver, processar e reprocessar as danças e ritmos vindos da Europa dentro do caldeirão de diversidade local e, assim, dar início a algo novo. Tais experiências caminham lado a lado com as mudanças ocorridas no então território do Império Luso-brasileiro, após a vinda da Família Real para a colônia de Portugal em 1808.

A chegada de D. João catapultou uma série de transformações estruturais e comportamentais, que colocaram a colônia portuguesa em um processo de rápido desenvolvimento. Mesmo com a abdicação do, então, monarca D. Pedro I, que retornou à Capital, deixando o príncipe regente D. Pedro II, em 1831, as mudanças não pararam. Em meados da segunda metade do século dezenove, o Brasil, mais precisamente, o Rio de Janeiro, já contava com uma vida cultural pulsante. Em meio a novos teatros, primeiras estradas de ferro, início das comunicações telegráficas, as ruas agora eram iluminadas e podia-se sair à noite, o que deu início a vida boêmia carioca. Artistas, políticos, aristocratas, jornalistas e empresários se encontravam nos restaurantes e botequins. O nascimento de uma classe média, alta e baixa, trouxe consigo o desenvolvimento de bairros como Botafogo, Flamengo, Cosme Velho e Laranjeiras. Músicos proliferavam na cena, principalmente, depois da inauguração do Conservatório Imperial de Musica em 1848. Muito respeitados entre a classe mais abastada, mas pouco remunerados por seus talentos, eram eles a ponte de ligação entre a aristocracia e o popular. A maioria residia na Cidade Nova, mais humilde, porém dentro do orçamento e agradável por reunir representantes da classe média baixa e da população mais humilde. A Cidade Nova era reduto de festas populares e é do amálgama gerado do encontro de culturas oferecido em tais eventos que surge a nova musica. Se os frutos de tais surubas culturais não possuem pai nem mãe, ou muitos pais e muitas mães, no caso do chorinho, a Cidade Nova é seu berço e é nas figuras de dois de seus ilustres residentes, Joaquim Callado e Chiquinha Gonzaga, que encontramos seus tutores.

Considerado “o pai do Choro”, o flautista e compositor carioca Joaquim Callado (1848-1880) participou ativamente da vida boêmia oitocentista no Rio de Janeiro. Autor de quase seiscentas canções, ele criou o Choro do Callado, primeiro grupo com a formação de choro, formado de violão, flauta e cavaquinho. Morador da Cidade Nova, na segunda metade do século, gozava de grande popularidade no Rio de Janeiro, tendo conquistado a admiração de D. Pedro II, que o condecorou com a Ordem da Rosa, entre outros notáveis. Sobre ele, Machado de Assis escreveu: “Eu já ouvi o rouxinol. Eu já ouvi o Callado”. Uma de suas composições, A Flor Amorosa, entrou para a história como a pedra fundamental do choro.

Mas pouco antes disso, sua amiga e parceira musical, Francisca Edwiges Neves Gonzaga, Chiquinha Gonzaga (1847-1935), esteve à frente de um evento responsável por fazer a verdadeira virada cultural que levou as musicas praticadas nos forrobodós da Cidade Nova à aristocracia, popularizando a nova musica que nascia do povo. Já conhecida como autora de da polca Atraente e outras, aos 38 anos, Gonzaga compôs as composições do espetáculo de Commédia Dell´Arte, A Mulher Homem, de autoria de Valentim de Magalhães e Filinto Almeida.
A peça, que ganhou reconhecimento da crítica e do público, entre eles, personalidades culturais e políticas da época, foi a primeira a levar aos palcos dos teatros, antes destinados a óperas e concertos e não a “musica profana” do povo, polcas, maxixes e outros ritmos que automaticamente foram aceitas e ganharam reconhecimento de direito no gosto do público. Embora as canções do espetáculo ainda não se classificassem como Choro, a composição Um maxixe na Cidade Nova, responsável por escandalizar um e deleitar outros, durante as apresentações, apresentava pela primeira vez no palco o maxixe, ritmo e dança primos do gênero.

A partir daí, o caminho estava aberto e a ascensão do chorinho foi inevitável. O livro de Carla aranha, ainda passa pela chamada Era de Ouro do gênero, protagonizada por nomes como Pixinguinha e Catulo da Paixão Cearense, entre outros, sem esquecer predecessores fundamentais como Ernesto Nazareth, passando por admiradores e também chorões, como Paulinho da Viola e Tom Jobim, até chegar a nova geração do choro, como nomes com Yamandu Costa.
Com acabamento gráfico impecável, bilíngue e belas ilustrações, Chorinho Brasileiro – Como tudo começou ainda traz um CD de áudio contendo doze faixas de gravações de temas como Quebra, quebra minha gente, Lundu característico, Cruzeiro e A Flor amorosa, entre outros, para fazer fundo durante a jornada do leitor ao mundo do Chorinho. Para fechar, o texto ainda dá dicas de locais e estabelecimentos onde é possível desfrutar do gênero praticado por novos chorões e choronas.
O Feirão do Vinil conta com diversos títulos de Chorinho em excelente estado. Tudo a 5 reais cada.